De todos os
mecanismos sensoriais humanos, nenhum desperta tanto a inveja como a visão, por
onde de logo concluo que ela adentra pelos olhos avançando nas entranhas e
provocando a corrosão do caráter, assim entendido como sentimento pessoal através
do qual damos valor a nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos
avaliem e valorizem.
Soube pelo
conhecido jornalista Lucius de Mello que o autor do Tratado da Inveja,
manuscrito datado de 1229, um certo frei Leo d’Assisi, frade da Ordem Menor,
apelidado pelo próprio São Francisco, do qual era enfermeiro, como Fra Pecorello di Dio (Irmão Cordeirinho
de Deus), teria passado longos anos estudando a inveja, feito diversas
experiências – algumas bizarras, e concluído que os cegos são menos propensos à
inveja que nós que enxergamos tudo.
Quem diria? O
olho! Um sistema ótico complexo pelo qual uma imagem do mundo externo é
produzida e transformada em impulsos nervosos e então conduzida ao cérebro, mas
que também pode trazer consigo os malefícios da inveja, quando então é direcionada
ao coração.
Já afirmava o
frei que o código da inveja estava na córnea, uma vez que a imagem do que vai
ser invejado é captada pela pupila e se amalgama na córnea, caminhando até o
cérebro e o coração, que desencadeia, então, infinitas reações, dentre elas o
ódio e o desejo de vingança, tornando o invejoso escravo de seus próprios olhos,
de forma que, infeliz, não mais consegue olhar nos olhos daquele que é o objeto
da sua inveja. Sente-se inferior, imperfeito e em pecado.
O filósofo em
educação Gabriel Perissé ensina que, no latim, invidia relaciona-se com a noção de “ver” (videre), acrescentando que “não é à toa que se fala em olho gordo, porque doentes e deformados
estão os olhos de quem não se admira positivamente, caso típico dos invejosos”.
Por constituir
fonte de outros pecados, a inveja é enquadrada pelo cristianismo como um dos
sete pecados capitais. O invejoso deseja ter algo que o outro possui, sem se
importar em prejudicar a outra pessoa, para obter esse bem.
Neste sentido o
poema épico Divina Comédia, de Dante Alighieri, define a inveja como “um
pervertimento ao desejo de privar a outros dos seus” e apresenta os invejosos
castigados no Purgatório, com os olhos horrivelmente costurados com arame.
Quem, durante a vida, não soube com os olhos apreciar as diferenças, depois da
morte não conseguirá enxergar mais nada, muito menos a luz.
A questão é
simples quando admitimos que o olhar esteja diretamente relacionado com a
inveja porque o invejoso não suporta ver seus próprios defeitos, as
imperfeições, as incompetências, o azar que tem. O bem-aventurado acaba sendo
um espelho onde se revelam limpidamente as deficiências e as limitações dos
invejosos, e é por isso, só por isso, que eles nunca terão talento, nunca
brilharão e jamais estarão realizados.
O quadro fica
pior quando o invejoso padece da megalomania, ou seja, crê nascido para o poder
e a glória, mas está obstaculizado por quem os exercita no momento. Mas, não
querendo abusar do tempo, tratarei sobre os megalomaníacos compulsivos em outro
e oportuno momento.
Por enquanto, concluo
dizendo que considero um verdadeiro lucky
man quem tem córneas permeáveis às qualidades alheias, mas porta mente e
coração impenetráveis para a inveja; aquele que, por confiar apenas ao seu caráter o
cargo de gerente das próprias emoções
e reações, simplesmente admira e respeita os bons e bem-aventurados. Muitos, infelizmente,
não têm essa boa sorte.
Coincidência ou
não, nunca vi tantos invejosos – sedentos por
poder – como agora!
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PS: Este post é dedicado a um bom e valoroso colega advogado, a quem tive a honra de conhecer há pouco mais de um ano. Por ser bom, valoroso e principalmente admirado, o colega despertou inveja em pessoas bem próximas dele. São justamente aqueles que agora pretendem ocupar seu lugar. Têm até legitimidade, mas lhes faltam, sem sombra de dúvidas, as virtudes do invejado.